Val Coelho: a semente de Lunetier plantada na infância

Uma nutricionista que reencontrou nas lentes do pai a arte que sempre esteve em seu DNA e descobriu, anos depois, esse ofício tão encantador.


Quando a inquietação vira um novo olhar

Tudo começou com uma inquietação, daquelas que não fazem barulho, mas também não vão embora. Eu adorava ser nutricionista. Ainda adoro. Mas algo em mim pedia outro tipo de criação – não com alimentos, e sim com formas, cores e mãos que moldam. Aos poucos, percebi que a fome não era de comida: era de propósito.

Foi quando comecei a vasculhar o passado. E lá estava ele: meu pai, saindo de Campos dos Goytacazes, no interior do Rio de Janeiro, rumo a Santos, litoral paulista, para trabalhar numa ótica da família. Jovem e curioso, decidiu depois tentar a sorte em São Paulo. Minha mãe, grávida de mim, gosta de contar que quase nasci na subida da serra.

Memórias que ganharam moldura

Já na capital, meu pai abriu uma loja na Lapa e foi ali que a minha infância começou a se desenhar entre lentes, parafusos e sorrisos refletidos na vitrine. Eu amava passar as tardes na ótica, observando o espetáculo silencioso de transformar armações em óculos. O cheiro do acetato, o brilho das lentes, o som das ferramentas – tudo me encantava.

Às vezes ele chegava em casa com uma armação nova feita especialmente pra mim. Eu me sentia cuidada, amada. Além disso, nenhuma menina da escola tinha óculos iguais aos meus – e eu adorava isso.

A semente volta a brotar

A vida seguiu, e eu segui outros rumos: Nutrição na USP, trabalho, casamento, filhos, mudanças de cidade. Mas a inquietação voltou. E, quando comecei a pesquisar novas profissões, reencontrei aquele universo que sempre esteve no meu DNA. Descobri que o nome dele era lunetier, o artesão do olhar.

Hoje percebo que aquela menina curiosa da ótica nunca foi embora. Só esperou o tempo certo de florescer, como se as lentes do meu pai tivessem guardado, lá atrás, o foco que agora voltou a se ajustar.

Mini-bio

Val Coelho é nutricionista de formação e futura lunetier de coração. Apaixonada por arte, cores e histórias com propósito, descobriu no design de óculos uma nova forma de cuidar – agora, do olhar.
Contatos: @val_coelho_oficial    val@vallunetier.com.br

Eu, bem pequena ao lado do meu tio, na loja da família. Reparem que meu pai aparece no reflexo da vitrine, enquanto tirava a foto. (Arquivo pessoal)

Meu pai na loja da Lapa, em São Paulo, no espaço que marcou a minha infância.